quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Ensaio Subjetividade

Resiliência Titulo conhecido de um celebre vídeo que indaga e busca responder o existir humano em sua dimensão mais ampla e criativa.
Grandes ícones da física atual propõem um olhar renovado que explicite nosso modo de ser e existir, partindo dos grandes achados da física quântica, que nos remete aos recônditos conceitos que permeiam o nodo central e encoberto do viver humano.
A grande questão humana parece ser o que nos faz sofrer, e para fugir do sofrimento fazemos de tudo, matamos, morremos nos tornamos vitimas e algozes. Fazemos psicoterapia, nos convertemos ao catolicismo, espiritualismo, budismo, qualquer coisa que alivie a dor do existir, do inesperado, do inconstante.
Criamos teorias, modelos, dietas do bom viver do esquecer e do apropriar, do restringir e do ampliar. Assim mesmo às cegas, e ao mesmo tempo com uma certeza momentânea, de que encontramos a fórmula certa, o núcleo central, que nos afasta da dor, do sofrimento do não saber.
E assim indago sobre os pedaços que compõe a tessitura deste sofrer. Não que eu goste de sofrer, Deus me livre de todos os sofreres, de todas as mazelas, e me abençoe somente com achados que me cabem, que caídos em solo fértil possam germinar, florescer.

Como psicoterapeuta procurando compreender o sofrimento dos que nos chegam, munida com um vasto arsenal teórico-prático, pergunto, o que é o sofrer desse outro, aqui está diante de mim, do que se compõe de onde vem?
As respostas são muitas e provém de vários lugares, de muitas teorias, de Freud a Jung, passando por Cristo a Buda, embasada na neurociência, no aparato psíquico, nos traumas de todas as etapas do desenvolvimento. Truncadas, esmagadas, dilaceradas no cotidiano familiar e social. Na falta e no excesso de tudo em torno de nós e dentro de nós.
Então, como encontrar o acorde ou desatador de nós que permite ao outro, encontrar-se neste emaranhado de proposições de teorias e aportes?
Lendo um pequeno ensaio da querida amiga Regina, que me apresentou a teoria da resiliência formulada por Boris Cyrulnik e buscando alguns textos desse autor na Internet, encontrei algumas intercessões para o entendimento do sofrer e do viver. Cyrulnik nos fala que resiliência é a capacidade humana de sair fortalecido de situações adversas. Para ele a chave da resiliência reside nos afetos e na solidariedade.
Buscando fazer conexões com outras teorias engajadas na difícil tarefa de compreender o que nós faz sofrer, vou ao encontro de Peter Levine e sua teoria de como sistemas pouco resilientes podem estar mais vulneráveis à traumatização.
Por sistema entendemos o todo que somos, em nossa dimensão física, psíquica e espiritual. Vemos também, como carecemos de um vocabulário que aproxime de modo expressivo o que somos integralmente; partimos em pedaços físico, emocional, psíquico, espírito, para ver se juntando, obtém-se a totalidade que nos constitui.
Assim, também estudamos, a nós mesmos e ao outro, objeto de nosso trabalho como psicoterapeutas, tentando encontrar o fio condutor que propicie o entendimento do sofrer e do viver.
Volto a Peter Levine, e suas propostas do entendimento do trauma, ou melhor, de como as experiências do sofrimento humano, vividas por uma pessoa imatura ou com pouca resiliência do sistema nervoso. E como o trauma abrangendo seus aspectos físicos, emocionais e relacionais podem constituir-se em solo fértil para restrições no desenvolvimento ulterior, impondo limitações, que impossibilitam das mais diferentes formas o existir no mundo de modo amplo e presente. Levine propõe uma abordagem que propicie uma reorganização do sistema nervoso e conseqüentemente uma maior resiliência do organismo. Criando uma possibilidade de superação do sofrimento e ampliação de sua presença e ação harmoniosa no mundo.
O acesso ao que nos faz sofrer, adoecer, enrijecer, encolher para Peter Levine, se dá através do poder sustentar as sensações agradáveis e desagradáveis que constitui o todo da experiência vivida. Permitindo que lentamente nosso sistema operacional, constituído pelo nosso sistema nervoso, possa absorver ou dispensar a grande carga energética mobilizada por nossa fisiologia, a fim de preservar a vida como um todo.
Independentemente de qual foi à magnitude da experiência, o que realmente importa na visão de trauma de Levine é a capacidade que o sistema possui em administrar a carga gerada, podendo voltar a autorregulação, inerente ao próprio funcionamento do sistema nervoso. Sistema este visto em sua amplitude máxima, que transcende as esferas do simples funcionamento mecânico, incluindo a totalidade conhecida e desconhecida do existir do homem em suas varias dimensões.
Levine reúne conhecimentos de várias teorias em sua proposição no tratamento do sofrimento humano.
Inicia sua pesquisa observando o comportamento dos animais na selva e em como resolvem as questões de ameaça a vida em seu cotidiano.
Investiga os aspectos fisiológicos encontrados pela neurociência que apontam os componentes inerentes a fisiologia do stress pós-traumático. Faz pontes com as teorias e técnicas postuladas por Reich, Lowen e outros que buscaram a conexão entre o corpo e os estados de sofrimento e restrições experienciados pelo humano. Imbricando estes diversos aportes, postula que a restauração da capacidade de autorregulação se dá quando podemos acompanhar através do felt-sense. (termo cunhado por Eugene Gendlin, que diz respeito da capacidade que os seres humanos possuem de ter uma gestalt de tudo que forma sua experiência interna, a qualquer momento, e que nos conta onde estamos e o que sentimos).
Focar no felt-sense viabiliza o acesso a diversas dimensões do existir, tais como comportamentos que nos contam sobre os movimentos voluntários, gestos controlados pela vontade, expressão emocional. Mudanças posturais e pré-movimentos que antecedem a preparação para o movimento real, a sensação proprioceptiva.
Imagens, que incluem representações internas e estímulos sensoriais externos, como visão, audição, tato, olfato e gustação.
Afetos que são compostos de fortes emoções e nuance de afetos, como os tons dos sentimentos.
Significados que se compõem de crenças, interpretações, funções cognitivas, rotulações, julgamentos, análise, pensamentos, conhecimento etc..
Tudo isto orquestrado pelo sistema nervoso autônomo e em suas conexões com o sistema nervoso central e o sistema somato-periférico.
Por fim, o âmbito total da teoria do Dr. Peter Levine transcende neste momento o que queremos articular, sugerimos a quem interessar o livro “O Despertar do Tigre” que fornecerá uma visão geral da teoria.
O que nos interessa é pontuar a visão de trauma postulada por Peter Levine: “trauma acontece quando o organismo é forçado além de sua capacidade adaptativa para regular os estados de ativação. O sistema traumatizado se desorganiza, falha e não consegue se recompor. Isto se manifesta em uma fixação global, em uma perda importante na capacidade rítmica de autorregulação da ativação, que orienta , permite estar no presente, e fluir na vida.” Peter Levine.
Para Freud “trauma é uma ruptura na barreira de proteção contra a estimulação acarretando sentimentos avassaladores de impotência”
Para a Experiência Somática, teoria brevemente aqui exposta, a perda da resiliência no sistema nervoso relaciona-se de forma fundamental com os processos traumáticos.
Retornando, a nossa indagação central sobre o sofrimento humano e os modos pelos quais nos aproximamos e nos envolvemos.
Boris Cyrulnik, nos fala da capacidade de resiliência que se forma a partir das relações afetivas que se estabelecem através do contato humano, como potente gerador da transformação do sofrimento do trauma. O trauma se inscreve em nossa biologia, deixando ali marcas profundas em nosso cérebro.
Quer seja através do aporte da Experiência Somática de Levine ou da Resiliência de Cyrulnik, parece que a vida nos presenteia sempre com a possibilidade de autorregular.
La desgracia nunca es algo puro, tampoco la felicidad. Pero apenas la convertimos en relato, damos un sentido al sufrimiento y comprendemos, mucho tiempo después, cómo pudimos transformar una desgracia en maravilla, ya que todo hombre herido se ve forzado a la metamorfosis: “Aprendí a transformar la desgracia en una prueba. Si una te baja la cabeza, la otra te la levanta”, Catherine Enjolet.
Assim, como funciona nosso sistema nervoso, parece funcionar a vida: quando se estimula demasiadamente a zona de prazer, dentro dele, o excesso de estimulação termina por acionar a zona de sofrimento. Quando se pode pendular entre o sofrimento e a resiliência podemos encontrar um lugar que nos pertence e nos proporciona desfrutar do aqui e do agora, do fluir entre a dor e o prazer.
Por fim, munida com um arsenal teórico-prático de vida como ser humano que sou e trabalhando e experimentando o sofrer e o viver, só posso dizer que, quem sabe talvez, possa eu, possamos nós, ouvir o nosso próprio sofrer e o sofrer dos que nos chegam, e nesta comunicação integra, amorosa entre seres, metamorfosear como nos aconselha Catherine Enjolet, desgraça em prova e voltar a fluir no rio da vida, como diz Peter Levine.
Montes, M; Montes, C. “Conferencias Entrevista al Experto en Resiliencia Boris Cyrulnik” Enjolet, C. En Danger de Silence, Paris, Robert Lafont Gendlin, E. Focusing, Espanha, Mensagero, 1978 Levine, P. Manual de Treinamento Somatic Experiencing
Por: Ivani F. de Souza

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